Ora, não existe nada mais forte para comprovar isso do que a constatação,
feita pelo Ministério Público Federal, ao apreciar a situação do GBOEX, no bojo
do Inquérito Civil Público (ICP 020/2010-97): “Vislumbra-se que o plano de pecúlio que a GBOEX não corre risco de
insolvência desde agora, ou recentemente, mas sim desde que começou a
comercializar apólices de seguro que não teria como adimplir”.
Desde o início, quando éramos jovens (e poderíamos ter contratado algo
mais seguro) eles sabiam que pagaríamos anos e mais anos para nada ou pouco
mais do que nada deixar para a família. O que fizemos foi sustentar empregos
regiamente remunerados para um grupo de oficiais do Exército, durante os
últimos trinta anos.
E a certeza de que fomos enganados vem da própria SUSEP quando reconhece
(Termo de Diligência Fiscal SUSEP/DEFIS/GRFRS No. 007/2005) que a
única saída é “sacrificar o produto”,
o nosso pecúlio,“através da aplicação de
reajustes técnicos, o que possibilitaria levar o produto à expiração de forma
mais equilibrada, sem sobrecarregar o resultado positivo dos outros produtos da
entidade, nem os seus resultados financeiros e patrimoniais”. Uma sucessão
de reajustes na mensalidade, até que se torne insustentável e leve o associado,
um a um, a pedir sua exclusão, sem qualquer ressarcimento, deixando para trás
meio século de contribuições. E a operação para “sacrificar o produto” já se
iniciou: a mensalidade já dobrou e vai, no mínimo, triplicar até o ano de 2017,
segundo garantias dadas pelo GBOEX à SUSEP (Parecer
SUSEP/DITEC/CGSOS/COPRA/DIPEP/ No51/12).
Ou seja, não existe dúvida que esta massa de uns 150 mil associados,
cuja idade média anda pelos 80 anos, foi enganada. E o GBOEX não conseguiria
enganar tantos, por tanto tempo, sem a conivência de quem tem por dever “proteger os interesses dos participantes e
assistidos dos planos de benefícios”. E vou provar:
TRINTA ANOS TRÁS
1.
O GBOEX chegou ao
fim dos anos 70 como uma carteira de pecúlios com inconsistência atuarial,
incompatível com a nova ordem ditada pela Lei 6.435/77 e fragilizada
financeiramente por uma gestão que não pautava pelo profissionalismo. “O GBOEX estava pronto para acabar”, na
opinião de Iese Rego Alves Neves, fundador e líder do MLD– Movimento Luta e
Diálogo, grupo que comanda a entidade desde 1981, sem oposição.
2.
A CPI que
investigou o sistema nacional de Previdência Privada (Câmara dos Deputados,
1996), em seu relatório deixa claro que na “implantação
da regulamentação da Lei 6435/77 tinha-se como certo que não seria possível a
adaptação dos planos de benefícios operados antes da vigência da lei pela
completa ausência de embasamento técnico. Esperava-se uma grande operação de
saneamento no setor” e que na “época,
o governo deveria ter dado um fim às “arapucas” dos montepios. A bem do
interesse público era necessário adotar uma atitude compatível com a situação,
determinando-se o encerramento de atividades e conseqüente liquidação de todas
as entidades, cujos planos não tinha consistência atuarial, para dizer o mínimo”.
3.
E o GBOEX, além de
não ter a necessária consistência atuarial, no entender da CPI, era a maior
dessas “arapucas”,com o patrimônio
líquido equivalente a 63% do total dos ativos das entidades sem fins lucrativos
com planos bloqueados, ou seja, era o maior dos rombos do Sistema de
Previdência Privada.
4.
E por que o
governo (SUSEP) não tomou as devidas providências? A resposta está no Relatório
da CPI que justifica a inércia governamental, em parte, pela “presença de militares que comandavam ou
tinham ligações com grandes montepios, fator de peso político considerável na
época. Não havia vínculo formal dos montepios com as Forças Armadas, porém
induzia-se a população a acreditar no contrário, já que o nome de organizações
militares integrava a denominação social de vários montepios”.Porque
naquela época o “poder político dos
maiores montepios decorria do fato de serem entidades organizadas com base em
associações de militares, notadamente oriundos do Rio Grande do Sul”.
5.
O GBOEX que estava
pronto para acabar sobreviveu às turbulências dos anos 80 com uma carteira de
pecúlios condenada, graças ao enxugamento promovido por Iese Rego Alves Neves
ao reduzir os gastos com administração de 80% para a faixa dos 20%, em relação
à receita operacional e fechar uma série de empresas subsidiárias que serviam
para criar empregos e dar prejuízo.
6.
Em 1990, aflorou o
déficit no plano de pecúlios e, diante da já demonstrada incapacidade de gerar
produtos novos, a decisão foi dobrar os planos de pecúlios de cada associado,
sem a sua anuência, em uma operação totalmente irregular e suicida, por mim
denunciada diversas vezes, porque provocaria um déficit duplamente maior no
futuro. Na ocasião escrevi um texto “As
viúvas do GBOEX” em que fazia relação com o movimento das viúvas do
liquidado MFM – Montepio da Família Militar que tomou as ruas de Porto Alegre,
após o calote tomado. A massa integrante desta carteira de pecúlios que deveria
ser ampliada com renovação de idade, buscando sair dos 60 anos, como idade
média, para a faixa dos 40 anos, foi duplicada com a idade média permanecendo
nos 60 anos.
7.
E tudo isso com,
no mínimo, a omissão, da SUSEP que, diante da denúncia por mim formulada
(2003), saiu com evasivas do tipo “situação
fática consolidada” e “prescrição administrativa” quando, na realidade, o
que existiu foi omissão no cumprimento da missão que está muito clara no
artigo 3o da Lei Complementar 109/2001: fiscalizaras EAPC e proteger
os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.
8.
A prova de que tal
operação é irregular: a SUSEP multou o GBOEX, por idêntica operação, realizada
depois da minha denúncia, em um valor unitário (R$ 2.457,24) que, se de base
servisse para a duplicação de 250 mil planos, ultrapassaria várias vezes o seu
patrimônio líquido.
9.
O GBOEX entrou nos
anos 2000 sofrendo as conseqüências do déficit não enfrentado e agravado, em
1990, e que começou a queimar mensalmente R$ 3,5 milhões do seu patrimônio o
que a SUSEP somente foi acusar em fiscalização provocada por meu pedido de
intervenção, no ano de 2003.
10.
Nesta ocasião,
protocolei uma reclamação/denúncia (processo SUSEP 15414.200047/2003-38) com
pedido de intervenção no GBOEX por má gestão da carteira de pecúlios
(confirmado em 2011 pelo MPF quando considerou que uma “má gerência administrativa” no GBOEX vem “onerando consumidores inocentes e vítimas de uma prática contratual
patológica”).
11.
Inicia-se, então,
um processo de abafamento da denúncia que foi comprovado pela própria SUSEP,
através de um parecer do corajoso chefe do DECON/GEACO/DIMES (2006), ao
analisar os autos do processo.
12.
Diante da
denúncia, a Procuradoria Geral da SUSEP, “provavelmente
por haver considerado grave o assunto”, manifestou-se no sentido de levar
ao conhecimento do Colegiado da SUSEP, mas “um
despacho virtualmente ilegível, de signatário não propriamente identificado,
rabiscado informalmente, diz-se que a matéria não é digna da atenção do Órgão
Colegiado da SUSEP. Ao lado do referido garrancho, novo despacho, desta feita
enviando os autos, a pedido, ao Sr. Eliezer Tunala”, registra o mencionado
parecer.
13.
Por pressão de
investigação na Câmara Municipal de Porto Alegre, em julho/2003, foi efetuada
uma fiscalização, no GBOEX, cuja conclusão apontava para a intervenção, mas que
ficou pendente da viabilidade de um planejamento estratégico elaborado às
pressas, com a nítida intenção de servir como justificativa para a não
intervenção.
14.
No início de 2004,
volta o Sr. Tunala: mesmo diante da declaração de inviabilidade do tal plano de
recuperação apresentado pelo GBOEX, considerou o assunto encerrado e mandou
arquivar o processo que só foi reaberto porque fiz uma reclamação junto à
Procuradoria da SUSEP que mandou desarquivar por ter sido arquivado sem
conclusão.
15.
Dito processo
perambulou por diversas gavetas, “manipulado
por critérios gerenciais frouxos”, “com
enorme inércia burocrática”, no entender do chefe do DECON/GEACO/DIMES, até
que foi arquivado em 2009 com o GBOEX tendo perdas patrimoniais da ordem de R$
3 milhões/mês e tendo o tal plano de recuperação sido considerado inviável, ou
seja, não aplicaram a intervenção porque não quiseram.
16.
Agora, finalmente,
o Ministério Público Federal, ao analisar a representação feita sobre o mesmo
assunto (perdas patrimoniais), acaba de oficiar à SUSEP solicitando que “avalie tecnicamente a pertinência e
oportunidade de submeter a empresa
GBOEX ao regime de direção fiscal, com vistas a colocar em equilíbrio
atuarial o produto Pecúlio Taxa Média e, assim, salvaguardar os direitos e
interesses dos consumidores deste Plano, fundamentando eventual decisão
negativa”.
17.
Ou seja, consegui
o reconhecimento do acerto do meu pedido de intervenção 108 meses após o que
significa, com um déficit mensal de R$ 3 milhões, uma perda patrimonial da
ordem dos R$ 300 milhões.
18.
E a medida
recomendada pelo MPF e por mim solicitada em 2003 está de acordo com o que a
lei ordena.
19.
O art. 44 da Lei
Complementar 109/2001, que dispõe sobre o regime de previdência complementar,
estabelece que para resguardar os direitos dos participantes e assistidos
poderá ser decretada a intervenção na entidade de previdência complementar,
desde que se verifique, isolada ou cumulativamente, uma das condições previstas
nos incisos de I a VI.
20.
Situação atuarial
desequilibrada (V): é notória e foi atestada pelo MPF ao constatar que o risco
de insolvência acompanha o plano de pecúlios majoritário desde que começou a
ser comercializado quando já sabiam que não teria como adimplir. A própria
SUSEP reconhece que a única saída é forçar a saída dos seus integrantes através
de sucessivos reajustes que tornem a mensalidade insuportável.
21.
A transferência da
metade dos imóveis de renda para a seguradora Confiança que os reavaliou e
incorporou ao seu patrimônio pelo dobro do valor e que agora os está alienando
para minorar seus problemas de insolvência chega às raias de um desfalque
patrimonial, de uma fraude ao credor visto que se destinavam a garantir o
pagamento de pecúlios cujo atraso é notório, diante das centenas de
reclamações. Aplicação dos recursos de forma inadequada (II) e descumprimento
de disposições estatutárias (III) visto que o Estatuto é claro: o patrimônio do
GBOEX destina-se a assegurar a vida da entidade e a sua finalidade que é o
pagamento dos pecúlios (art. 62) e que para garantir o pagamento dos pecúlios o
seu patrimônio somente poderá ser aplicado, “dentro de critérios de
rentabilidade, de segurança e de liquidez, em imóveis, em títulos ou em valores
imobiliários, observadas a diversificação e as condições de mercado” (art. 67).
22.
A seguradora
Confiança vem sugando o patrimônio do GBOEX desde os anos 70 quando foi feita a
primeira transferência de um dos imóveis do GBOEX e está longe de ser
considerado um investimento seguro.
23.
Atropela, também,
o inciso IV do art. 44 porque o desequilíbrio do plano de pecúlios que
respondia por 75% da receita operacional afetou a liquidez e a solvência dos
demais planos cujos superávits estão sendo empregados para cobrir parte deste
déficit, conforme reconhece a própria SUSEP.
Diante da omissão do órgão regulador e fiscalizador em “proteger os
interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios”, resta a
esta massa de milhares de consumidores buscar, através de uma ação judicial, o
ressarcimento dos prejuízos causados pela inépcia da fiscalização o que, aliás,
já foi lembrado por ocasião da CPI da Previdência Privada (Câmara dos
Deputados, 1996) quando no seu relatório consta, ao abordar a “Sistemática de
Fiscalização da SUSEP” (pág. 199-203): “É oportuno mencionar que o Banco
Central já foi condenado pela justiça (no TRF-RJ pelo caso Coroa-Brastel) a
indenizar pessoas que foram prejudicadas pela inépcia de sua fiscalização. Isso nos autoriza a alertar para a
possibilidade de dano ao Erário também no caso da SUSEP, se o Executivo
não adotar as medidas necessárias para aparelhar o órgão dos devidos recursos
humanos e materiais. A SUSEP não possui controles adequados que lhe permita
conhecer a situação financeira das entidades abertas,o que traz profunda
insegurança aos participantes do sistema”.